Personagem da Feira de São Cristóvão – Erinalda Villenave – Loja de literatura de cordel

29/11/2018 1 Por afs
Personagem da Feira de São Cristóvão – Erinalda Villenave – Loja de literatura de cordel

     A literatura de cordel tem uma longa trajetória. Dos trovadores medievais, passando pela sua popularização no renascimento e adotada pelos ibéricos, ela é uma das muitas heranças portuguesas deixadas no Brasil, um clássico da manifestação literária tradicional da cultura popular brasileira, tipicamente da Região Nordeste.
Para os leitores assíduos ou aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de folhear um exemplar, existe na Feira de São Cristóvão uma digna representante deste gênero literário. A loja, tocada por Erinalda Villenave(58), é frequentada por pesquisadores, professores, estudantes e os apaixonados por leitura. Além do cordel, ela vende bolsas, canecas, azulejos e camisas, quase todas as peças, em especial as camisas, com impressão em xilogravura – que significa gravura em madeira – assinadas pelos xilógrafos Maércio Siqueira, Erivaldo e Ciro Fernandes.

Foto: Helio Motta

Nalda, como é conhecida – nascida em Macaíba, município do Rio Grande do Norte, chegou na cidade carioca com apenas 3 anos de idade acompanhada dos pais. Antes de começar na feira, em 2013, vendia camisas com estampas em silk, com temas do Rio de Janeiro. Depois de algum tempo, a sua filha sugeriu fazer estampas em xilogravura. Pesquisando sobre essa técnica de impressão, a nordestina se deparou com a literatura de cordel – já que, desde 1950, as capas destes folhetos ganharam essa forma artesanal e definitiva de impressão. Da pesquisa sobre o cordel chegou a feira, onde adquiriu um exemplar. Para sua surpresa, verificou em seu verso o endereço da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), coincidentemente, com sede no bairro onde mora, Santa Tereza, no Rio. Desde então, a aproximação com essa entidade literária ampliou a sua percepção. Não demorou para que iniciasse a parceria com a academia e assumisse a pequena loja ociosa na feira, dessa instituição. A partir de então, essa potiguar organizou o espaço dando destaque aos cordéis que ficam expostos na entrada da loja.
“Minha família, meus primos e primas, são do Nordeste, lá da roça. Eles contam que a diversão deles era sentar em volta da mesa com candieiro, e quem sabia ler, lia o cordel. Isso me chamou a atenção. Percebi então que o cordel ajudou aquelas pessoas a aprenderem a ler e escrever”, recorda.
Ela se tornou uma entusiasta do cordel e não demorou para escrever e imprimir um folheto de sua autoria com o título Infância Perdida, que se encontra à venda na loja. E mais, lançou mão de um termo do cordel como sua marca registrada: Redondilha. E, há 3 anos, é vice-presidente da ABLC.

 

Cordel e a sua importância literária

A curiosa e tradicional forma de expor os pequenos e leves folhetos pendurados em cordas, em Portugal, é que deram origem ao simpático nome literatura de cordel. No entanto, esta poesia, em sua forma inicial, antes dos registros em folhas soltas, era através da transmissão oral, geralmente acompanhada de instrumentos musicais.

Foto: Hélio Motta

No Nordeste brasileiro, onde fincou raízes no período da colonização portuguesa, esse tipo de manifestação literária assumiu características próprias, não sendo submetida às regras formais da gramática normativa. E no fim do século XIX, começa a sua impressão em solo brasileiro.
A estrutura do cordel segue as regras de métrica e rima, intrínsecas à elaboração dessa poesia popular. Além do seu poder de informação, os cordelistas recitam os versos em voz alta, de maneira melodiosa, cadenciada e bem humorada, com seus efeitos rítmicos obtidos através das rimas e repetições, que encantam as pessoas desejosas em ouvir histórias. Sendo ainda, um importante aliado na alfabetização.
Dentre as inúmeras publicações de seus principais expoentes desse gênero literário, podemos mencionar algumas obras que ajudaram a ditar o rumo da literatura de cordel nordestina, a exemplo de Leandro Gomes de Barros, que este ano completou 100 anos de sua morte, autor do famoso e inesquecível O Cachorro dos Mortos, José Camelo de Melo Resende autor do Romance do Pavão Misterioso, José Pacheco da Rocha, autor de A chegada de Lampião ao inferno, considerado o mais memorável dos folhetos humorísticos, do poeta baiano Antonio Teodoro dos Santos com Vida e tragédia do presidente Getúlio Vargas, que vendeu 260.000 folhetos, e, também, o poeta José João dos Santos, o Mestre Azulão, autor do clássico O trem da madrugada.
Em setembro deste ano, o empenho da ABLC, capitaneado pelo seu presidente, poeta e cordelista Gonçalo Ferreira da Silva, para que a literatura de cordel fosse reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, se concretizou. O título foi concedido por unanimidade pelo Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional(IPHAN).

“O cordel é a identidade do nordestino. Foi mais que merecido o IPHAN reconhecer esse título”, dispara Nalda.

Empolgada e feliz, ela ainda revela o desejo de um dia poder abrir uma oficina de cordel na feira. E deixa um recado: “A feira é divertida, quem estiver em depressão ou triste, vem pra feira. Isso aqui é muito animado”.