Personagem da Feira de São Cristóvão – Jef Bonfim – O artista dos retratos

18/10/2019 0 Por afs
Personagem da Feira de São Cristóvão – Jef Bonfim – O artista dos retratos

A técnica de pintura com giz pastel seco remonta ao período do Renascimento, e nas palavras de Leonardo da Vinci é uma maneira elegante de “pintar a seco”.

A definição parece apropriada ao trabalho do artista Antonio Jeferson da Silva Bonfim, de 46 anos, nascido em Itabuna(BA), que faz uso dessa técnica há quase 21 anos, dos quais 11 anos, em uma das ruas principais da Feira de São Cristóvão. E mesmo com a onda avassaladora de produção de imagens digitais, o público não resiste ao belo retrato produzido pelas mãos talentosas desse artista que exibe leveza e simplicidade em suas obras. Ele atende seus clientes em uma pequena mesa com dois bancos, onde seu material como giz, papéis e algumas ilustrações ficam expostos. A informalidade do ambiente, tão fogosamente movimentado e ruidoso, contrasta com a sua concentração para produção dos retratos.

Jef Bonfim
Foto: Hélio Motta

O seu nome artístico é Jef Bonfim, segundo ele, definido de acordo com a numerologia, pois tem umas questões místicas e pode trazer sorte. Ele mostrou desde cedo talento para pintura, pois quando o futuro artista tinha apenas 2 anos, desenhou uma flor cheia de detalhes, traço bem definido e com uma habilidade impressionante. Ainda na infância, conheceu o trabalho de estilistas famosos pela TV e disse: “É isso que eu quero”. Essa descoberta contrariou o sonho de sua mãe em ver o filho como arquiteto. “Ela não estava errada do jeito dela pensar, porque as mães querem o melhor para os seus filhos. Mas isso não pode interferir na nossa natureza e no nosso destino”, completa.

O jovem artista foi aprimorando o seu talento porém, antes de começar na área artística, trabalhou como auxiliar de serviços gerais. Aos 18 anos, o tão sonhado emprego como estilista de moda numa loja famosa em solo baiano. Nessa atividade, teve uma rápida passagem pelo Espírito Santo, e, finalmente, chegou ao Rio de Janeiro, em 1994, com 21 anos. Nos primeiros anos na cidade, morou em alojamento, fez cursos profissionalizantes de moda no SENAI CETIQT e maquiagem no SENAC. Este, lhe possibilitou trabalhar como maquiador e custear suas despesas. Trabalhou nas principais lojas de tecido da cidade, entre elas Casa Assuf e Nuance. E, também, com a renomada estilista Glorinha Pires Rebelo e seu filho Carlos Tufvesson. Como já sabia pintar retratos decidiu fazer um trabalho mais livre que lhe proporcionasse um contato com o grande público. As ruas do Rio se transformaram em seu ateliê. A partir de então, saiu do alojamento e morou em várias partes da cidade, passando por inúmeros percalços.”O planeta terra é um lugar de provas e expiações. É o local de aprendizado, em todo momento somos provados”, diz resignado.

Em 2008, a convite de um amigo para comemoração de um aniversário, teve o primeiro contato com a Feira e uma certeza: no campo da espiritualidade, estava diante de seus olhos o local que havia pedido em oração para realizar seu trabalho – amplo e com alta rotatividade de turistas. Do contato com a administração da Feira ao trabalho no pavilhão, foi um passo.

Jef Bonfim
Foto: Hélio Motta

Na produção de seus retratos, que leva em média 20 minutos, e custa de R$ 30,00 a R$ 150,00, dependendo do tamanho, Jef busca conferir fidelidade à aparência do seu personagem. No breve instante que antecede a obra, o artista dialoga com seu modelo deixando-o à vontade para captar suas expectativas e humor. Em suas composições faz o rosto cheio, expondo uma exígua porção dos ombros, com os tradicionais lábios fechados e o olhar sério caindo sobre o espectador. “Eu vou borrando o papel de modo aleatório. A imagem vai aparecendo de dentro para fora, eu vou traçando tudo ao mesmo tempo: luz, sombra, cor e forma. E o rosto da pessoa vai aparecendo dessa maneira. Essa maneira de desenhar não foi aprendido, ela vem sobre uma linha de intuição e acredito que tenha algo espiritual por traz. Eu sigo esse estilo e não consigo ensinar a fazer exatamente como eu faço. Eu estou conversando e a mão trabalha praticamente sozinha”, revela.

Jef Bonfim
Foto: Hélio Motta

A aparente monocromia dos pequenos bastões cilíndricos usados pelo artista, reservam o impacto de cores saturadas e luminosas – próprias da pintura a seco -, que ele irá proporcionar ao final de sua obra. Para ele a intuição é uma forte aliada para conseguir o equilíbrio das cores de seus retratos. “Aquela cor que está atrás da pintura, ela tem muito a ver com a necessidade e a realidade daquela pessoa naquele momento”, destaca ele.

Esse baiano carismático, riso solto e extremamente grato à Feira, no ano que vem conclui a graduação em psicologia. Com uma visão espiritualizada da vida, diariamente pronuncia o mantra budista Nam-Myoho-Renge-Kyo, que lhe traz paz, bem-estar e felicidade.

“Todos nós que trabalhamos aqui, artistas, ambulantes e feirantes, somos os braços e as pernas da Feira. A gente é que traz animação, as cores e a alegria; a gente traz a conversa, o diálogo. O que é isso? É a alma”, finaliza.